Algoritmos, sociedade ou indústria: de quem é a culpa da sub-representatividade racial na publicidade?

Disparidade salarial e ausência de pessoas negras em cargos de chefia nas agências trazem impactos negativos para o setor

Num país onde 56% da população é autodeclarada preta ou parda, essa parcela só apareceu em 34% das peças publicitárias em 2019 e 38% em 2020.

Por outro lado, atores brancos estiveram presentes em mais de 70% das campanhas encabeçadas pelas empresas para as redes sociais, como Facebook e Instagram.

Há um fator que influencia tanto na baixa remuneração como na limitada participação de creators negros nas campanhasfere, que é a pouca ocupação de cargos de diretoria e estratégicos nas agências de publicidade e propaganda brasileiras.

É o que evidencia o estudo “Sustentabilidade Racial – Dados e estatísticas sobre a população negra no Brasil”, cujos dados analisados ocorreram entre 2006 e 2017, último ano da amostragem.

Segundo o estudo, houve crescimento positivo no número de ocupações de cargos de maior prestígio por pessoas negras e diminuição da disparidade salarial entre negros e brancos entre 2006 e 2010.

Já a partir de 2014, em tempos de crise econômica e política, a disparidade salarial bateu recorde. Uma mulher negra chega a receber apenas 45% do salário de um homem branco, no mesmo cargo, no setor publicitário.

Um outro estudo, desta vez estadunidense, corrobora com esse fato, ao sinalizar que, a falta de apoio, assessoria jurídica e trabalhista e a ausência de entidades sindicais no setor, deixam os creators desassistidos.

Sem auxílio para negociar – e para evidenciar que a disparidade salarial no ramo das #publis é quase 50% maior do que em outras áreas de trabalho -, os creators negros muitas vezes sequer recebem pelo seu trabalho.

Algumas marcas enviam “mimos” aos criadores negros como pagamento pelo seu trabalho, em um cenário em que oferecem o teto a pelo menos 41% dos creators brancos com quem fecham parceria.

Outros obstáculos

A discussão ao redor dos algoritmos serem ou não racistas chamou muita atenção no primeiro ano pandêmico.

Muitos usuários chegaram à conclusão de que, mais do que os algoritmos, a sociedade é racista. E, por isso, engaja mais em publicações de pessoas brancas.

Mas não acabou por aí! Ano passado o Tik Tok se envolveu em várias polêmicas. Numa delas, o app foi acusado de inserir automática e obrigatoriamente um filtro embelezador nos vídeos de várias usuárias.

A rede social disse apenas que se tratava de um bug, mas não deu maiores explicações sobre o que havia causado o erro.

A outra polêmica escancarou de vez a influência dos algoritmos no rendimento produtivo de criadores de conteúdo negros.

A nova política do Tik Tok para criar um “ambiente seguro” fez uso de algoritmos, que a plataforma afirmou estarem “descalibrados”, fazendo com que conteúdos antirracistas fossem bloqueados no app.

Isso porque o algoritmo não avaliava o contexto dos posts, apenas bloqueando qualquer publicação que contivesse a palavra “black”.

A luta antirracista tem cor

A pesquisa estadunidense Time to Face the Influencer Pay Gap, capitaneada pela MSL US e a The Influencer League e divulgada pela Bloomberg Businessweek, ainda traz outros dados curiosos.

Creators brancos, por exemplo, são menos penalizados do que os negros, quando se manifestam a favor de pautas identitárias e raciais.

59% dos criadores negros, 49% dos criadores BIPOC (negros, indígenas, pessoas de cor) e apenas 14% dos criadores brancos afirmaram que sentiram impactos negativos em sua atividade por se posicionarem a favor de pautas antirracistas.

O mais curioso de todo esse contexto de disparidade racial é que o estudo norteamericano constatou que as comunidades afro-americanas e latinoamericanas são mais engajadas nas redes sociais do que as pessoas brancas.

Mesmo sub representados na publicidade e propaganda, tanto na TV quanto na internet, passam cerca de 27% mais tempo conectados às redes através de smartphones. E consomem 137% mais conteúdos de vídeo.

Afinal, o algoritmo é mesmo racista? Ou a sociedade é quem, de fato, ignora a presença de pessoas negras na internet?

São as pessoas negras que não querem ocupar cargos de chefia, ou são as agências que as desmotivam, pagando-lhes infinitamente menos do que pagam a pessoas brancas, pelo mesmo serviço?